APALAVRALAVRA



Solar Grandjean de Montigny - Centro Cultural PUC-Rio / 2007



Não se trata aqui apenas de palavras, tampouco apenas de imagens; com certeza, são palavras e são imagens. É, de início, um exercício sobre o limite até onde ambas podem ser fundidas, confundidas, esticadas e tensionadas. São ainda situações em torno de nossa linguagem e de nossos objetos cotidianos: julgados transparentes para todos os efeitos práticos (a opacidade é – alguns pensam – prerrogativa da especulação intelectual…), eles constituem na verdade uma fonte de armadilhas em que o mais atento pode cair sem desejar: duplicidades, ambiguidades, equívocos e mal-entendidos que bloqueiam os trilhos em que supostamente nossas vidas deveriam correr. Se, como queria Wittgenstein, os limites de nosso pensamento coincidem com os de nossa linguagem, as chances de um descarrilhamento são fartas e incontáveis. Aquilo que deveria nos facilitar o viver e o agir, funciona, de fato, como uma trava que impede o caminho. Como areia na engrenagem de um aparelho de precisão: talvez esse seja o ponto principal desta exposição, que não se limita a pensar o problema artístico da poesia visual, mas lança mão dele para manter o espectador firmemente plantado no mundo real, com todas as suas incertezas e dúvidas.
Já Mallarmé – a quem Marcio Zardo conscientemente remete – jogou com as possibilidades dadas pela relação entre visualidade e palavra, e, mesmo antes dele, outros experimentaram com situações em que uma afirmava a outra (Rabellais, por exemplo). Mais perto de nós, os concretos pretenderam levar às últimas consequências a fusão de ambas, fazendo da página impressa o espaço de uma poética em tudo inovadora – mas também com limites suficientemente conhecidos. Tratava-se, porém, de tão-somente ampliar as fronteiras da poesia para além daquelas tradicionalmente dadas. Na mostra de Zardo, em que pese a dívida (reconhecida) para com todos aqueles, a questão se põe de modo um pouco diferente.
Até os anos 1950, tudo se passava dentro das premissas do modernismo, mantido que foi pelo problema formal: a arte era o campo de ação privilegiado da boa forma (ou ainda uma variante: da boa expressão). Agora, passados mais de 50 anos – e sem a força hegemônica do formalismo –, Zardo não ignora – não poderia ignorar – que algo além de um projeto purista se põe diante do artista, e que mesmo (ou principalmente) a antiarte tinha bastante a dizer sobre as limitações conceituais que as palavras nos impõem. (Já na individual anterior do artista, os trabalhos giravam em torno de proposições sobre a natureza mesma da arte). Mais do que elaborar enunciados de ordem poética, ele usa as palavras e os objetos para indicar a fragilidade do equipamento com que tentamos dar conta de nossas experiências. Não satisfeito em manipular a palavra como imagem, e a imagem como palavra, o artista as mistura, disseca e remonta em posições que só fazem chamar a atenção para a opacidade de nossas noções e representações. São, assim, noções do dia-a-dia, ou expectativas naturalmente alimentadas, as primeiras que se vêem submetidas ao jogo de enganos e às contradições que ele propõe, tanto quanto os conceitos com que tentamos capturar o sentido de uma atividade tão escorregadia quanto a arte.
Longe de se contentar com a negatividade da manobra, contudo, há uma vontade de afirmar a possibilidade de construção de um sentido (de muitos sentidos) a despeito das dificuldades que isto represente, e das crises sucessivas que essas dificuldades costumam gerar – seja em nosso cotidiano, seja em qualquer outra área de nossa existência. Pois, para além dos obstáculos encontrados, há sempre a possibilidade de uma saída. Enquanto ela for capaz de gerar indagações sobre si e sobre o mundo, a arte fará sentido, mesmo quando se apresenta sob o disfarce do enigma.

Reynaldo Roels Jr.

Crítico de Arte e Professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Março de 2007

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