PRONTA PARA CONSUMO

Galeria Espaço Imaginário - Rio de Janeiro / 2010

De forma irônica, mas não menos reflexiva, Zardo pretende retirar o público da condição de passivo observador, na medida em que propõe uma série de trabalhos onde a repetição de palavras e frases, muitas vezes aparentemente desconexas, redireciona a atenção do público para questões fundamentais ligadas a nossa sociedade de consumo.

Procurando uma aproximação com o próprio espaço oferecido pela galeria, com suas paredes rústicas, o artista instala o seu trabalho construindo varais. A partir desses varais são pendurados cerca de 40 cartazes de papel Kraft, contendo palavras soltas e frases incompletas, escritas com tinta automotiva em spray, que evocam um muralismo urbano.

Para ler é preciso “penetrar” na obra de Zardo. Os cartazes que preenchem o espaço da galeria estão dispostos de forma desordenada, quebrando certas verticalidades e horizontalidades, exibindo-se para o observador de maneira implacável. Frente e verso, o que se vê é um conjunto de palavras que atingem os sentidos antes de atingir ao pensamento.

A multidão de cartazes, suspensa no ar por pequenos pregadores, forma um complexo jogo de palavras, onde a intenção do artista, ora explícita, ora velada, confunde mais do que esclarece.

As palavras revelam menos que instigam. Marcio Zardo desenvolve em seu trabalho, o que se poderia chamar de “ecos gráficos”. São ecos no momento em que partem também de um desejo de alcançar o poder sonoro das palavras faladas, e são gráficos, porque em seu contexto material, as palavras escritas juntamente com a técnica aplicada, dão o corpo físico da obra.

Esses “ecos gráficos” se tornam visíveis a partir da repetição em duas ou três cores combinadas - geralmente utilizando o preto, o vermelho e o tom metálico, sobrepondo-os com a finalidade de provocar um efeito de instabilidade visual. Essa instabilidade acaba por corromper além dos sentidos, os significados, gerando vários planos e um efeito de profundidade vertiginoso.

Dialeticamente, o trabalho de Zardo aborda tanto a função poética quanto a função referencial, como também fala do dado concreto e do imaterial - é documento íntimo e ficção frenética, exposto de maneira rápida, nervosa, acelerada, pois acima de tudo é seriado e contemporâneo por excelência.

Por fim, durante a inauguração da exposição, o artista irá realizar uma performance na qual, sentado à mesa num canto da sala, autenticará seus cartazes para o público, resgatando com esse gesto, a ideia de nomeação conceituada por Marcel Duchamp, e nesse contexto de obra pronta para consumo, não seriam os cartazes de Marcio Zardo também uma espécie de readymades?

Renata Gesomino

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ

setembro de 2010


APALAVRALAVRA



Solar Grandjean de Montigny - Centro Cultural PUC-Rio / 2007



Não se trata aqui apenas de palavras, tampouco apenas de imagens; com certeza, são palavras e são imagens. É, de início, um exercício sobre o limite até onde ambas podem ser fundidas, confundidas, esticadas e tensionadas. São ainda situações em torno de nossa linguagem e de nossos objetos cotidianos: julgados transparentes para todos os efeitos práticos (a opacidade é – alguns pensam – prerrogativa da especulação intelectual…), eles constituem na verdade uma fonte de armadilhas em que o mais atento pode cair sem desejar: duplicidades, ambiguidades, equívocos e mal-entendidos que bloqueiam os trilhos em que supostamente nossas vidas deveriam correr. Se, como queria Wittgenstein, os limites de nosso pensamento coincidem com os de nossa linguagem, as chances de um descarrilhamento são fartas e incontáveis. Aquilo que deveria nos facilitar o viver e o agir, funciona, de fato, como uma trava que impede o caminho. Como areia na engrenagem de um aparelho de precisão: talvez esse seja o ponto principal desta exposição, que não se limita a pensar o problema artístico da poesia visual, mas lança mão dele para manter o espectador firmemente plantado no mundo real, com todas as suas incertezas e dúvidas.
Já Mallarmé – a quem Marcio Zardo conscientemente remete – jogou com as possibilidades dadas pela relação entre visualidade e palavra, e, mesmo antes dele, outros experimentaram com situações em que uma afirmava a outra (Rabellais, por exemplo). Mais perto de nós, os concretos pretenderam levar às últimas consequências a fusão de ambas, fazendo da página impressa o espaço de uma poética em tudo inovadora – mas também com limites suficientemente conhecidos. Tratava-se, porém, de tão-somente ampliar as fronteiras da poesia para além daquelas tradicionalmente dadas. Na mostra de Zardo, em que pese a dívida (reconhecida) para com todos aqueles, a questão se põe de modo um pouco diferente.
Até os anos 1950, tudo se passava dentro das premissas do modernismo, mantido que foi pelo problema formal: a arte era o campo de ação privilegiado da boa forma (ou ainda uma variante: da boa expressão). Agora, passados mais de 50 anos – e sem a força hegemônica do formalismo –, Zardo não ignora – não poderia ignorar – que algo além de um projeto purista se põe diante do artista, e que mesmo (ou principalmente) a antiarte tinha bastante a dizer sobre as limitações conceituais que as palavras nos impõem. (Já na individual anterior do artista, os trabalhos giravam em torno de proposições sobre a natureza mesma da arte). Mais do que elaborar enunciados de ordem poética, ele usa as palavras e os objetos para indicar a fragilidade do equipamento com que tentamos dar conta de nossas experiências. Não satisfeito em manipular a palavra como imagem, e a imagem como palavra, o artista as mistura, disseca e remonta em posições que só fazem chamar a atenção para a opacidade de nossas noções e representações. São, assim, noções do dia-a-dia, ou expectativas naturalmente alimentadas, as primeiras que se vêem submetidas ao jogo de enganos e às contradições que ele propõe, tanto quanto os conceitos com que tentamos capturar o sentido de uma atividade tão escorregadia quanto a arte.
Longe de se contentar com a negatividade da manobra, contudo, há uma vontade de afirmar a possibilidade de construção de um sentido (de muitos sentidos) a despeito das dificuldades que isto represente, e das crises sucessivas que essas dificuldades costumam gerar – seja em nosso cotidiano, seja em qualquer outra área de nossa existência. Pois, para além dos obstáculos encontrados, há sempre a possibilidade de uma saída. Enquanto ela for capaz de gerar indagações sobre si e sobre o mundo, a arte fará sentido, mesmo quando se apresenta sob o disfarce do enigma.

Reynaldo Roels Jr.

Crítico de Arte e Professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Março de 2007

ACESSOS POSSÍVEIS


Escola de Artes Visuais do Parque Lage - Rio de Janeiro / 2006

Exposição Coletiva


Marcio Zardo trabalha com palavras.
Sua dimensão visual e sonora é explorada pelo artista. Suas palavras são apresentadas solitárias, escritas em branco sobre fundo preto. Toda a série inicia-se pelo prefixo IN - privação, negação, e termina com o sufixo VEL - passível de. Ao lermos a sequência, a repetição de IN e VEL faz surgir então a impossibilidade de, a exclusão. E então, damo-nos conta de ver nosso reflexo nos vidros em frente às palavras. Espelhados, somos incluídos (IN, em inglês, dentro), encerrados no trabalho. Como um pêndulo, oscilamos num movimento de vai-e-vem entre o ver e o ler.


Luiz Ernesto
Artista Visual e Professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage
outubro / 2006

ARTE SIM - ARTE NÃO



Galeria Maria Martins - UNIVERSIDARTE, Rio de Janeiro / 2005



Palavras: normalmente ausentes da prática modernista, persistentes na prática contemporânea, elas constituem a quase totalidade desta mostra. Pintadas (com spray) sobre o papel pardo de embrulho, remetem de imediato ao dia-a-dia, onde as pichações sobre os muros são a norma. Penduradas em varais, as folhas operam uma segunda remissão ao cotidiano. Com pouco espaço entre elas, obrigam o espectador a estabelecer um contato físico com os trabalhos que tampouco participa da relação normal com a arte.

Toda a exposição se volta a pôr em evidência a fronteira (hoje suficientemente escorregadiça) entre a arte e a não-arte, perguntando a si e ao espectador onde uma começa e onde a outra termina. O que faz de um objeto qualquer (uma folha de papel pardo com palavras pichadas, por exemplo) uma obra de arte ou uma outra coisa qualquer? Onde está o limite entre um objeto comum e um trabalho intelectual? (A resposta de Artur Danto talvez sendo o esforço mais bem sucedido, mas não totalmente completo, para desvendar o mistério). As próprias palavras, com seus jogos de significados, trocadilhos e ambigüidades, acrescentam à proposta de reflexão. Não há exatamente o que apreciar (no sentido em que uma obra convencional está sujeita à apreciação), há sobre o que refletir.

A performance que fecha a exposição põe ainda mais em evidência o caráter problematizante pretendido, permitindo que um gesto burocrático decida, voluntariosamente, o que venha a ser (ou não ser) arte, ainda uma vez através de palavras, sim e/ou não. A questão não é resolvida, claro; apenas é explicitada como problema, deixando em suspenso uma solução que só poderia ser dada se violentadas as premissas.


Reynaldo Roels Jr.

Crítico de Arte e professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage

Novembro, 2005


(Clique aqui para ver a exposição ARTE SIM-ARTE NÃO)



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+ NOVOS





Marcio Zardo - Nele a poesia não basta, ela torna-se material da obra e aponta para algo além do seu significado. Atemporalidade na instância poética da criação plástica. E sonhos. Sonhos exalando odores. Ver, pegar, comer sonhos, comer poesia - espaço permeado pelos sentidos - sssonoridade sssibilante.


Lia do Rio
Artista plástica, curadora e professora do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, Escola de Artes Visuais do Parque Lage e Galeria OkO Arte Contemporânea.
25/08/2001


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